Solidariedade e Reconciliação
Partilharemos hoje uma reflexão sobre dois
temas que teoricamente se diferenciam, mas que em nossa vida saletina devem se
integrar: solidariedade e reconciliação. Distinguem-se, na somatória dos dois,
porém. Exigem-se na prática da fé.
Pe. Ático Fassini
Pe. Ático Fassini
A solidariedade é:
a) uma atitude humana de abertura
para o outro carente, sofredor, excluído;
b) um gesto de fraternidade que rompe
os laços do egoísmo e gera o altruísmo;
c) uma ação ocasional, pessoal ou
comunitária, de ajuda ao desamparado;
d) o reconhecimento da dignidade do
outro no qual reconheço minha própria dignidade;
e) um espírito de permanente
disponibilidade face à vida e valorização do outro.
A reconciliação é:
a) ter atitudes de flexibilidade
diante da falha de outrem;
b) relevar a fraqueza do outro,
reconhecendo minha própria fraqueza;
c) demonstrar bem querer apesar do
desprazer sofrido, sem ressentimento;
d) desculpar sem necessariamente
exigir a transformação do outro, mas a própria;
e) encobrir o erro, “deixar como está
para ver como fica”, é conciliação e farisaísmo;
f) desejar sinceramente a paz, no
diálogo e no jogo da verdade;
g) ter atitude de compreensão e boa
vontade face à ofensa recebida;
h) assumir a reconstrução do bem
querer;
i) esvaziar o coração de todo e
qualquer ódio ao oponente;
j) ter livre e permanente
disponibilidade para dar e receber perdão;
k) empenhar-se com autenticidade na
conversão pessoal e transformação alheia;
l) lembrar sempre que “errar é humano
e perdoar é divino”;
m) concretizar à luz da Palavra, um
gesto divino face a um erro humano;
n) viver o perdão “setenta vezes
sete” e praticar a prece: “Perdoai... perdoamos”;
o) fazer nascer à reconciliação no
perdão humilde e no testemunho da solidariedade.
Solidariedade e reconciliação na Palavra de Deus:
a) Deus revela seu amor absoluto, na
liberdade plena e no perdão reconciliador;
b) Desejoso de reconciliação envia o
próprio Filho, humilde e solitário (Fil 2,1s);
c) Na solidariedade reconciliadora,
Jesus perdoa, valoriza a pessoa, suscita liberdade (1 Ped 1,21);
d) Jesus se faz a Pedra Angular da
Paz Reconciliadora (Ef 2,11-22);
e) Jesus nos reconcilia para
reconciliarmos (2 Cor 5,17);
f) O Reino de Deus é Reino de Paz,
Justiça, Solidariedade e Reconciliação.
Solidariedade e reconciliação em SALETTE:
a) Salette assinala a recorrente
ruptura em nós mesmos, com o próximo e Deus;
b) Salette revela a permanente e
santa justiça de Deus que quer salvar seu Povo;
c) Salette expressa a compaixão
materna, solidária e reconciliadora do Pai;
d) Salette renova o apelo à conversão
e reconciliação de si mesmo e do mundo.
Passos a caminho da Reconciliação
a) Sair de si mesmo em direção ao Pai
de Jesus;
b) Sair de si mesmo em direção aos
outros;
c) Libertar-se do “homem velho” e
assumir o “homem novo” em Cristo;
d) Emergir do egoísmo, poça de
maldade, e banhar-se no poço do amor e perdão;
e) Apagar em si mesmo o foco do ódio,
e acender a chama da compaixão reconciliadora;
f) Partir para fora de si mesmo para
anunciar e testemunhar a Boa Nova da Reconciliação.
Os dez mandamentos da reconciliação
2) Levar mais em conta o que
recebemos, e menos o que nos falta.
3) Agradecer mais do que se lamentar.
4) Falar bem dos outros, e em alta
voz. .
5) Jamais nos comparar aos outros:
isso leva ao orgulho, ao desespero, e não nos torna felizes.
6) Viver na verdade, sem temor de
chamar de bom o que é bom e de mau o que é mau.
7) Resolver os conflitos pelo diálogo
e não pela força: conservar em si o rancor só nos imerge na tristeza.
8) Nesse diálogo, começar com o que
une, e só depois abordar o que divide.
9) Dar o primeiro passo da
reconciliação antes da noite.
10) Persuadir-se de que perdoar é
mais importante que ter razão.
6º Encontro
SALETTE: coisas quase novas
numa arca muito antiga
Nosso encontro comunitário de hoje quer
levar-nos a garimpar algumas pedras preciosas por entre as rochas do Riacho
Sézia, inseridas no Fato da Salette. Conhecemos muitas coisas desse fato. Quem
sabe nos falta conhecer muito mais. Conhecer não simplesmente por conhecer, mas
para vivenciar em nosso existir saletino. Peçamos, pois, inicialmente, que o
Espírito do Senhor nos ilumine para percebermos sempre mais e melhor o que
ainda precisamos descobrir nesta surpreendente história do jogo da vida entre
Deus e seu povo. Rezemos juntos: “Vinde, Santo Espírito...”.
Deus, “depois de ter, por muitas vezes e de muitas formas, falado
outrora... nesses dias que são os últimos, nos falou por seu Filho” (Hb.
1,1-2). São as “teofanias”, as manifestações de Deus a seu Povo de que nos
falam as Escrituras. Jesus, o Filho, é a “teofania essencial e terminal”. Por
Ele, o Pai nos disse tudo que tinha a nos dizer.
Deus, porém, não se afastou
definitivamente dos seus. Prossegue em seu relacionamento vital com seu Povo.
Mais para relembrar do que para revelar novas coisas. A “arca” de sua Aliança
conosco está completamente abastecida com as riquezas de seu amor para com seus
filhos. No entanto, como um Pai que sempre tem histórias novas sobre velhos
temas para contar a seus filhos, Deus volta a conversar com seu Povo para
indicar-lhe sempre o mesmo, único e antigo Caminho de Vida que revelou em Jesus
Cristo.
Qual o Novo de Deus no mundo de hoje?
No Caminho que é Jesus, presente está
a Santa Mãe Maria. Ela tem sua palavra de Mãe de Deus e nossa a nos dizer.
Dirige-se a seus filhos em suas “mariofanias”.
É o jeito inventado pelo Pai para nos manifestar seu afeto, seu carinho de
“Pai-Mãe” para conosco. A “mariofania da
Salette” é embelezada por muitas e preciosas pedras: há conselhos maternos,
queixumes de Mãe machucada em seu amor por seus filhos, atitudes de
solidariedade para com o sofrimento de seu Povo, apelos para que ele mude de
vida, vigorosa esperança por sua transformação radical... Conhecemos bem sua
Mensagem. Talvez seja bom meditarmos sobre o que a envolve, e lhe dá vida e
beleza.
La Salette é um local montanhoso e
maravilhoso, mas, isolado e perdido na França profunda. Por que Deus o escolheu
para se entreter com seu Povo? Deus não perde o velho hábito de se manifestar
na solidão montanhosa. Moisés, Elias e outros ali O encontravam. Ali, Jesus se entretinha
com o Pai. Mas, por que ali? Será porque somente Deus pode situar-se tão alto e
lá de cima convocar seu Povo para falar-lhe a sós? A montanha representa um
desafio. Ela nos atrai. Leva-nos a subir...subir! Para descobrir o mistério que
as alturas ocultam: o Deus da exaltação do canto de Hosanas. A subida nos
incita a desatar as amarras do quotidiano volúvel, ruidoso, desatento de nosso
viver descompromissado na planície, na pobre mesmice de nosso terra-a-terra. A
caminhada montanha acima nos confronta com os rochedos e abismos de nosso
orgulho empedernido e vazia vaidade. Na ascese da subida, superamos riscos e
empecilhos ao caminharmos na trilha do Senhor, nosso Caminho. Na solidão do
alto deparamos o que somos e onde estamos em nosso existir. E, em algum lugar
ou em lugar nenhum, surpreendentemente o silêncio nos fala. O Grande Silêncio.
O Divino Silencioso! Abriremos então o olhar e o coração para horizontes que da
baixada da vida não percebíamos. Salette não foge a isso. Maria, Mãe e
Discípula, também lá se encontrava.
Duas crianças, pobres de tudo, sem
relevância, ricas em sofrimento e em falta de afeição testemunham a “mariofania
da Salette”. A vida as conduzira à fossa. Deus, porém, na solidão das alturas,
viu sua miséria e ouviu os clamores do povo ecoando por entre os montes da
região. Em renovada sarça ardente no deserto da montanha, “desceu” para
libertar. Por Maria, veio ao encontro delas e de seu povo. Maria chamou as duas
crianças juntos a si: “Vinde, meu filhos...” Um carinho sem par que elas nunca
haviam experimentado em sua infância desolada. Na solidão de si mesmas e do
próprio medo, as crianças se deixaram
encantar pela “Bela Senhora”. A beleza do entorno montês não contava mais face ao
esplendor daquela a Quem deram o nome de “Bela Senhora”. Tão bonita era... “Bem
aventurados os pobres...”. Maximino, mais tarde, face às críticas malévolas que
lhe eram dirigidas pelo fato de não ter casado, respondia: “Depois de ter visto
a Bela Senhora, não sinto atração por nenhuma outra!”.
A desconhecida e Bela Senhora estava sentada na pedra que
servira de mesa de refeição aos pobres pastores. Gesto de Mãe que convive com
seus filhos. O esplendor dos céus refulgindo sobre a fria intransparência do
rochedo. A grandeza divina despojada na simplicidade da vida... A Carta aos
Filipenses 2,6-11 descreve o Cristo em semelhante atitude. Como compreender? “Bem
aventurados os simples de coração...” Ela chora. No silêncio. Há dores que só o
silêncio absorve. O silêncio de Maria ao pé da Cruz. Silêncio ao pé de tantos
crucificados deste mundo. Silêncio, porém, não da altivez dos cheios de si e
donos dos outros, e sim, dos que se fazem solidários com o silêncio sofrido dos
despossuídos de si mesmos. Grandioso silêncio, envolto de luz. Luz extasiante
que emanava do Eterno Silencioso, o Cristo Crucificado-Ressuscitado deposto
sobre o coração da Bela Senhora. “Eu sou a Luz do mundo...”. Lágrimas e luz.
Mescla salutar da compaixão de Maria e da misericórdia de Jesus. Como as águas
do Sézia e da misteriosa fonte no local
da Aparição correm pelos vales da
montanha, as dores da Mãe purificam o ingrato chão de nosso “vale de
lágrimas”. “Stabat Mater dolorosa juxta
crucem lacrimosa dum pendebat Filius”. Inenarrável visão. Divina solidão! Vazio
só preenchido pelo Tudo de Deus. “Mariofania” e “cristofania” somam-se em
Salette.
A beleza essencial por nós desejada,
recobria o ser da Bela Senhora. Pesadas correntes A oprimiam, expressão das
cadeias que nos prendem, do pecado que nos paralisa. Maria, a Solitária da
Montanha, é maternalmente solidária com a dor de seus filhos dispersos. “Bem
aventurados os que sofrem por causa do Reino...” A inaudita beleza do sofrer
acorrentado de Maria vem coroada pela sublime beleza das rosas, das muitas e
coloridas rosas que A envolvem e expressam a grandeza de Quem subiu a Montanha
do Senhor e com Ele permanece na glória da Ressurreição. “Sobre sua cabeça, uma
coroa...”, diz o Apocalipse. As crianças testemunharam o mesmo mistério. Uma
coroa de Rainha sobre a fronte de uma Serva, a Serva de Deus. Suas vestes
amplas, simples como as das senhoras serviçais da região, recobriram a figura
da Bela Senhora. Suas mãos mal ocultavam as lágrimas quando sentada na pedra.
Seus braços se cruzaram dentro das mangas do vestuário quando se pôs de pé. Por
que essa mudança de atitude? Para poder proclamar sua mensagem, certamente. Ou
seria para significar que a nós cabe agora ouvir a Palavra de Deus e levá-la à
prática da vida, sem temer seu “braço” guardado? Ou ainda, para dizer que Ela,
a Mãe, tudo fez por nós e que a nós cabe agora assumir a missão? Calçados cobertos
de rosas, belos como os pés dos que evangelizam por sobre os montes, no dizer
de Isaías, modestamente ocultavam seus pés feminino. (Obs: Historicamente
parece que Salette é a única aparição em que Maria faz uso de calçados...). Uma
Bela Senhora definitivamente inserida no quotidiano do povo. Sua linguagem chã,
sua fala mansa, seu afeto materno devolveram às duas crianças despersonalizadas
pelo desafeto da exclusão, a dignidade de pessoas, filhas bem amadas do Pai. De
nada mais precisavam. Nem ninguém!
A “grande nova” que a Bela Senhora
conta às duas crianças, é o essencial da Boa Nova de Jesus: “Convertei-vos e
crede no Evangelho...” A Bela Senhora conhece os sofrimentos de seu Povo. Com
ele chora, na solidariedade materna. Fala dos males, não para atribuí-los a
Deus, como o Povo faz, mas para devolver ao Povo o que é do Povo. Se existem, “é
por vossa causa... e vós não fazeis caso!” Com razão ressoa a Palavra do
Senhor: “Convertei-vos...” Para o Senhor nem tudo está perdido. A
responsabilidade é nossa. A compaixão da
Bela Senhora é desejoso de Reconciliação, sinal de Esperança de Vida
Nova que transformará até mesmo os rochedos, a realidade inteira. Sua
atitude junto ao Filho Jesus é de
súplica incessante pelo Povo. Oração a ser por nós compartilhada. Por causa do
povo enfraquecido, a Bela Senhora se compromete em suster elevado o “braço de
meu Filho”. Essa expressão deu muito que falar. Não se trata de palavra
apocalíptica, ameaçadora. É o gesto orante de Moisés no deserto, gesto
salvífico a favor de seu povo em perigo. A explicação dada por um garoto no
Santuário da Salette, no decorrer de uma discussão acalorada sobre essa
expressão, é taxativa: “Não é preciso ter medo. Os braços do Cristo estão
pregados na Cruz, sempre levantados para nos salvar!” Na condição de nos
convertermos!...
Ao final da “mariofania saletina”,
as crianças pastoras que, sofridas, haviam subido ao monte carregando no
coração a imponente e grandiosa solidão das montanhas, caminham felizes com a
Bela Senhora até o cimo. Acompanharam-Na em silêncio. Silêncio de contemplação
e encantamento. Inexplicavelmente os pés da Bela Senhora, durante a caminhada,
não tocavam o chão, não machucavam flores e arbustos. Por que? Uma lição de ecologia autêntica dada
às hipócritas ecologias de nosso mundo globalizado? Atitude de respeitosa
reconciliação com a mãe terra? Do alto,
a Bela Senhora partiu para mais alto ainda, o alto dos céus. As crianças,
beatificadas pelo que contemplavam, permaneceram novamente solitárias no monte,
mas, felizes com a missão que a Bela Senhora lhes confiou para ser cumprida nos
vales da vida: “ Vamos, meus filhos, transmitam isso a todo o meu Povo!”.
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