Somos
convidados a fazer memória da missão Saletina no Brasil. O Cardeal Dom Paulo
Evaristo Arns, grande amigo dos Saletinos e conhecedor de nossa caminhada
missionária nos indica a direção: “a história dos Missionários Saletinos no
Brasil foi tecida com imensa generosidade pela causa do Reino, na afeição
evangélica a Maria e no serviço ao nosso povo” (Crônicas de uma Missão p.2).
Três
atitudes parecem fundamentais na memória da missão Saletina no Brasil: temos
uma história para contar, muito para
agradecer e um futuro para construir.
Não
temos apenas uma história para recordar e contar, mas uma grande história para
construir.
Como
os discípulos de Jesus, somos eternos aprendizes do Evangelho e da história.
Entretanto, como no episódio de Emaús, temos dificuldade em tomar distância dos
fatos. Custa-nos gastar tempo em sua contemplação serena e atenta. Não raro
deixamos de captar o que está por trás das palavras e das coisas. Muitas vezes
ignoramos as sementes que estão dentro dos acontecimentos da história.
Somos
chamados a situarmo-nos no presente e olhar o futuro para o qual nos projeta o
Espírito a fim de realizar conosco ainda grandes coisas.
Recuperar
a memória do passado se torna luz para quem pretende inserir-se no presente e
enfrentar o futuro com esperança. Assim poderemos prosseguir no caminho com
maior consciência e disponibilidade evangélica rumo às surpresas de Deus
escondidas em nosso tempo.
Que
Maria, Mãe e Companheira, e todos os Missionários Saletinos que nos precederam
fortaleçam nosso empenho de criatividade fiel na certeza de que “Javé, vosso
Deus, é quem vai à nossa frente” (Dt 1,30).
Pe.
Moussier, em missão na América do Norte, ouviu falar do Brasil. Deixou-se tocar
pelas informações sobre a realidade de carência do clero no país e a pobreza
material e espiritual de sua população. Foi o toque da graça do Senhor que fez
germinar nele o desejo imenso de ser Missionário em terras brasileiras. No
dizer do Pe. Atico, “O Brasil se tornou para o Padre Moussier uma quase
fixação” (Crônicas de uma Missão p. 435).
Vamos
percorrer alguns escritos do Pe. Moussier, que poderíamos chamar de
“fragmentos de um testamento espiritual”. São escritos que retratam seu
itinerário no Brasil, sua Míssionaríedade e a santidade do seu coração.
Deixemo-nos tocar pelo testemunho do fundador da obra Saletina no Brasil.
Disponibilidade
missionária: “Tendo aceito dirigir-me a Campinas, como capelão da Santa Casa,
também dirigida pelas Irmãs de São José, mas tomando conhecimento que meu
ministério seria muito mais útil em Jau, onde a mesma Congregação dirigia um
pensionato de meninas, me dispus a ir a essa localidade, embora mais distante”.
Me
dispus a ir a essa localidade (Jau), embora mais distante, para ser mais útil.
Missão
junto aos jovens:
“É face a esta cidade que fixei minha
morada (...). meu pequeno eremitério está situado
perto de dois colégios de meninos e de meninas do distrito de Jau. Meus
conhecimentos de língua portuguesa, ainda muito limitados, só me permitem, por
ora, dar duas aulas de catecismo por semana, às alunas do colégio de meninas,
dirigido pelas Irmãs de São José. Dentro de algumas semanas darei aulas de
instrução religiosa aos alunos do Ateneu ou colégio de meninos. Como vê, meu
Revdº Pe., Nossa
Senhora da Salette parece querer que eu passe minha vida no meio dajuventude”.
Nossa
Senhora da Salette parece querer que eu passe minha vida no meio da juventude.
Os
insucessos e a confiança na Virgem da Salette:
“Cheguei
em Jau em meados de agosto, quando uma grande seca, além dos graves
inconvenientes que no momento causava, ameaçava para o futuro, arruinar a
seguinte safra de café. Para fazer cessar esse flagelo, começamos, no Colégio
das Irmãs de São José, uma novena de oração em honra de Nossa Senhora da
Salette. Terminada a novena, a chuva não veio. Esse insucesso não nos
desencorajou. Empreendemos, com mais fervor, uma segunda novena. Havíamos feito
a metade quando, apesar das aparências em contrário, a chuva tão ardentemente
desejada chegou. A colheita principal do café estava salva.
Depois
disso, até dezembro, por quatro vezes o mesmo perigo voltou e por quatro vezes
uma novena obteve chuva. Como não perceber em tudo isso um efeito da proteção
de Nossa Senhora da Salette?”
Como não perceber em tudo isso um efeito da
proteção de Nossa Senhora da Salette?
Compaixão
diante da miséria do povo:
“No
começo de abril de 1903, alguns meses após minha chegada ao Brasil, partia de
Itu para vir a São Paulo, para uma visita a 5. Excia. Dom Antônio de Alvarenga. [...] No dia seguinte, subindo ao Alto de
Santana para visitar o magnífico pensionato que as Irmãs de São José de
Chambéry ali haviam construído, e ouvindo falar das necessidades do povo deste
quarteirão retirado, quase sempre sem pastor por causa de sua pobreza, senti
meu coração apiedar-se por causa das misérias de todo tipo dessa triste
paróquia”.
Senti
meu coração apiedar-se por causa das misérias de todo tipo dessa triste
paróquia.
“Pareceu-me
que Nossa Senhora da Salette lançava olhares de misericórdia sobre essa
população cujos doentes morriam quase todos sem os sacramentos e onde
seguramente a terça parte das crianças não eram batizadas. Voltei a Itu por
três meses e, a seguir, fui à Jau sem revelar meu propósito a ninguém. No ano
seguinte, em 1904, no mês de março, a Revda Madre Superiora do Colégio de Sant
‘Ana mandou perguntar-me se aceitaria vir a São Paulo para ali iniciar a
fundação da primeira casa da Congregação no Brasil. [...] Depois de ter refletido e rezado,
respondi que iria a Sant’ Ana, indo visitar Dom José de Camargo Barros, o novo
Bispo de São Paulo”.
Depois
de ter refletido e rezado, respondi que iria a Sant’ Ana.
Confiança em Maria e formação do povo:
“Tenho
a firme confiança que Nossa Senhora da Salefte se mostrará aqui e em toda a
parte como a Virgem reconciliadora dos pobres pecadores e que essa paróquia
Sant’ Ana que, conforme se diz, conta com perto de 8.000 almas, irá aos poucos
se transformar e se tomará praticante. [...] o trabalho mais urgente é a instrução
do povo que vive na ignorância e indiferença”.
Tenho
a firme confiança que Nossa Senhora da Salette se mostrará aqui e, em toda a
parte, como a Virgem Reconciliadora dos pobres pecadores.
Nossa
Senhora inspira piedade.
“Todos
que a veem, acham-na bonita. É a primeira estátua de Nossa Senhora
da Salette representada assentada e chorando que se encontra em São Paulo. Ela
inspira piedade. Os que vêm para vê-la por curiosidade, quase sempre sentem a
necessidade de se ajoelhar e fazer uma prece. Que milagres de conversão teria a
realizar a Virgem Reconciliadora para levar essa numerosa população de Santana
à prática da religião. (...) Para produzir um movimento sensível e
importante, seria preciso um Santuário dedicado a Nossa Senhora da Salefte,
onde essa misericordiosa Mãe daria testemunho de seu título de Reconciliadora
dos pobres pecadores”.
Ela
inspira piedade. Os que se aproximam por curiosidade, quase sempre sentem a
necessidade de se ajoelhar e fazer uma prece.
Em
1912, Pe. Moussier inicia a obra missionária no Rio de Janeiro. Assume a
Paróquia de Santo Cristo dos Milagres, paróquia pobre e difícil. Umjomal da
época assim dizia: “Fomos honrados na visita do Revd0 Pe. Moussier, recentemente
nomeado Pároco da Paróquia de Santo Cristo, nesta cidade. Trata-se de missão
muito difícil a que lhe foi confiada. [...] Não sabemos se o novo Pároco conhece
todas essas misérias do bairro [...] o que viemos a saber a respeito do Pe.
Moussier nos rejubila pela nomeação de um tal Pároco. E felicitamos 5. Emcia. o
Cardeal por ter chamado para sua Diocese um Sacerdote tão eminente, que, sem demora,
será visto como um dos membros mais zelosos de seu Clero”.
Indo
e vindo. Trevas e luz. Tudo é graça, Deus nos conduz.em 1913 Pe. Moussier
inicia a obra no Catumbi, bairro mal conservado e muito pobre. Na época das
chuvas, o bairro quase sempre era alagado. O sonho do Pe. Moussier era a
construção de um Santuário dedicado a Nossa Senhora da Salette. Ele doa o resto
de seus anos nesta obra. Faleceu em 27 de junho de 1919, sem ver seu sonho
completamente realizado.
Dois
testemunhos retratam a beleza da missão do Pe. Moussier e a santidade da sua
vida, dedicada à obra Saletina no Brasil. O primeiro testemunho vem de umjornal
da época que retrata o amor do povo por seu pastor, por ocasião do seu
sepultamento.
“Seu
corpo foi transportado do Hospital para a Capela de N. Sra. Da Salette, à Rua
Catumbi. É neste Santuário provisório por ele mesmo
preparado, que seus despojos mortais foram depositados sobre um catafalco
simples e modesto como fora toda a sua vida, repleta de serviço prestado à
Igreja. Às 9hs, a Capela foi rapidamente tomada pelos fiéis vindos para
assistir a Missa de corpo presente.
A seguir,
uma imensa multidão desfilou diante do catafalco para render a última homenagem
ao querido defunto. Às 4hs30 da tarde, teve lugar o funeral. Foi um verdadeiro
triunfo. Foi presidido pelo Mons. Fernando Rangel de Mello, Vigário Geral da
Arquidiocese, que deu a absolvição. O Cardeal se fez representar por Mons.
Moura Guimarães. Uma enorme multidão, estimada em mais de cinco mil pessoas,
tomava por completo as cercanias da pequena Capela, a Praça de Catumbi e o
cemitério. “Jamais se havia visto semelhante acorrência de povo em um
sepultamento”.
O segundo
testemunho vêm da comunidade de Sant’ Ana, onde Pe. Moussier serviu durante
anos com amor e santidade.
A
repercussão da morte de Pe. Moussier foi vivamente sentida também na Paróquia
Sant’ Ana, em São Paulo, à qual deu tudo de si por longos anos. No7º dia de seu falecimento, a 03 de julho
de 1919, Pe. Perroche, Pároco de Sant’ Ana, presidiu a celebração participada
por um grande número de fieis, saudosos e agradecidos ao Pe. Moussier. Ele havia
conquistado o coração dessa comunidade. Seu espírito de fé, sua bondade e
humildade faziam o povo exclamar: “É um santo!” (Crônicas de uma Missão, Pe. Atico
Fassini).
O que o testemunho de vida do Pe. Moussier
interpela minha vida, minha missão e nossa comunidade?
O
que o testemunho missionário do Pe. Moussier nos ajuda a compreender o atual
momento da nossa província?
Que
Maria, Mãe e Companheira, e todos os Missionários Saletinos que nos precederam,
especialmente Pe. Clemente Moussier, fortaleçam nosso empenho de criatividade
fiel na certeza de que “Javé, nosso Deus, é quem vai à nossa frente” (Dt 1
~30).
Concluamos
nosso encontro rezando na Comunhão dos Santos, a prece de Nossa Senhora da
Salette:
LEMBRAI-VOS,
ó Nossa Senhora da Salette, das lágrimas que derramastes por nós, no Calvário.
Lembrai-vos também dos cuidados que, sem cessar tendes por vosso povo, a fim de
que, em nome de Cristo, se deixe reconciliar com Deus. E vede se, depois de
tanto terdes feito por vossos filhos, podeis agora abandoná-los.
Reconfortados
por vossa ternura, ó Mãe, eis-nos aqui, suplicantes, apesar de nossa
infidelidade e ingratidão. Não rejeiteis nossa oração, ó Virgem Reconciliadora,
mas volvei nosso coração para vosso, Filho. Alcançai-nos a graça de amar Jesus
acima de tudo, e de vos consolar por uma vida de doação, para a glória de Deus
e o amor de nossos irmãos.
Nossa Senhora da Salette, Reconciliadora dos
pecadores, Rogai sem cessar por nós que recorremos a vós!
(Notas
aqui citadas estão no livro Crônicas de uma Missão, Pe. Atico Fassini)
.
Testemunhas de Missionariedade
“Foi pela fé que nossos antepassados caminharam...”.
Neste
encontro vamos fazer memória de nossos irmãos saletinos que nos precederam na
fé e no testemunho missionário. Eles deram sua vida pela obra da reconciliação
em terras brasileiras. Eles continuam em comunhão conosco. A fé cristã
professa: “Creio na comunhão dos santos”. A carta aos Hebreus nos convida a
fazer caminho iluminados pelo testemunho de nossos antepassados, “deixando de
lado tudo o que nos atrapalha... e correndo com perseverança na competição que
nos é proposta” (Heb. 12,1)
O
objetivo desse encontro é recordar alguns de nossos irmãos que marcaram nossa
província, nossa comunidade como missionários. Fazer memória não é apenas
reverenciar e homenagear; é, sobretudo, apropriar-se de suas energias, de seus
sonhos, de suas convicções que poderão inspirar nosso agir no hoje de nossas
vidas, de nossa comunidade e de nossa província. Façamos esta memória à luz de
alguns aspectos de nossa Regra de Vida no tocante à missão: “Inspirando-nos na
Mensagem de Nossa Senhora da Salette, empenhamos nossos esforços:
- na reconciliação dos pecadores e na
libertação de todos os homens na submissão à vontade do Pai
,- no despertar e no
aprofundamento dafé no Povo de Deus, para que todas as realidades humanas sejam
iluminadas pela luz do Evangelho;
- no anúncio da Boa Nova onde ela não
é conhecida;
- na mútua compreensão e aproximação
das diferentes religiões, na caridade e na verdade;
- na luta contra os males que, hoje,
comprometem o desígnio salvífico de Deus e a dignidade da pessoa humana”. (cf Regra de Vida N. 23).
“Sensíveis às necessidades da
Igreja universal e das Igrejas locais, e em conformidade com nosso carisma,
atentos aos sinais dos tempos, generosamente nos entregamos às tarefas
apostólicas para as quais, através da oração e do discemimento, nos sentimos
chamados pela Providência. Além disso, questionamos de boa vontade nossas
atividades apostólicas e procuramos renovar nossos métodos de ação,
adaptando-os sempre melhor às circunstâncias de lugar e tempo e às exigências
do ambiente em que trabalhamos” (Regra de Vida 26).
À luz destes textos e de nossa
experiência missionária, tentemos relembrar a figura inquebrantável do Ir.
João Creff: “O que ele representa para a nossa província? Que lembranças,
impressões, testemunhos deste valoroso missionário podem iluminar nossa
fidelidade vocacional e nossa pertença à província? Qual é o legado maior que
ele nos deixou?”
À luz dos textos lidos e da partilha que
fizemos, vamos fazer memória de um ou de vários MS vivos ou falecidos que
militaram em nossa comunidade ou na região na qual nos encontramos. Vamos
tentar recordar seus sonhos, suas convicções e suas opções missionárias que
poderão iluminar nossa presença missionária e nossa vida comunitária.
Estes
e outros irmãos nossos fazem parte de nossa história congregacional e
provincial. Eles nos legaram fé, testemunho, sonhos, convicções porque
souberam inserir-se numa história antiga que passou a iluminar o tempo
presente deles para projetar o futuro do que queremos construirjuntos. Vamos
fazer a releitura do legado que eles nos deixaram àluz de figuras bíblicas:
“A fé é um modo dejá possuir aquilo que
se espera, é um meio de conhecer realidades que não se veem. Foi por causa da
fé que os antigos foram aprovados por Deus. Pela fé, sabemos que a Palavra de
Deus formou os mundos; foi assim que aquilo que vemos originou-se de coisas
invisíveis. Pela fé, Abel... Henoc... Noé... Abraão... Isaac... Jacó... Esaú...
José... Moisés... Davi... Samuel... os profetas... Todos eles foram aprovados
por Deus por causa da fé que tinham. Mas nenhum deles alcançou a promessa.
Deus preparou para nós algo melhor, a fim de que, sem nós, eles não obtivessem
a perfeição” (cf. Heb. 11, 1- 40).
O
autor da carta aos Hebreus, relendo a vida dessas pessoas, quer indicar que a
fé foi o dinamismo e o combustível destes personagens; esta féos impulsionou a
fazer história com seus contemporâneos. Possuindo a firme convicção da
realidade de um mundo futuro melhor, estas pessoasjamais se conformaram com as
estruturas pessoais e sociais existentes; nunca as tomaram por definitivas e
absolutas. Essa inconformidade levou tais homens e mulheres a romper as cadeias
da falsa segurança do “já-pronto”, para serem agentes de novas formas de
sociedade, e os impeliram a fazer de suas vidas um processo sempre inacabado
em busca da maturidade plena a serviço do Reino definitivo.
Perguntemo-nos: Face aos textos da Regra de Vida que
lemos e ao texto bíblico o que pode ser melhorado em nossas atividades
missionárias e comunitárias?
Os
personagens bíblicos e os irmãos de congregação dos quais fizemos memória, de
uma ou de outra forma, nos transmitiram a Palavra de Deus e a confirmaram por
seu testemunho. Elevemos, pois, em forma de prece, nossa gratidão a Deus por
ter enviado tais pessoas a fazer parte de nossa história e ter-nos chamado a
fazer nossa história com elas.
Mensagem final:
“O Deus da paz, que ressuscitou dos mortos
a Jesus nosso Senhor; que é o pastor supremo das ovelhas por ter derramado o
sangue da aliança eterna, que Ele torne vocês perfeitos em todo bem. Assim
poderão cumprir a vontade dele, realizando em vocês aquilo que agrada a Deus,
por meio de Jesus Cristo. A ele seja dada a glória para sempre. Amém” (Hb. 13,
20-22).
Marcos da presença saletina no Brasil
Revejam os caminhos do passado, coloquem marcos como pontos de referência (Is 54,2).
Estamos
realizando o terceiro encontro do semestre. Seu objetivo é redescobrir alguns
dos marcos que norteiam a presença saletina no Brasil. Queremos fazê-lo à luz
do convite do profeta Isaias: “Aumente o espaço de sua tenda, ligeira estenda a
lona, estique as cordas, coloque marcos como pontos de referência, porque você
vai se estender para a direita e para a esquerda, seus filhos herdarão nações e
povoarão cidades desabitadas”. Sem duvida, o profeta conclama seus
contemporâneos àesperança de uma nova era alimentada pela utopia que incentiva
e orienta o desejo dos homens para uma sociedadejusta e fraterna.
A fixação de marcos, a colocação de
estacas determina rumos, metas, objetivos os quais permitirão estender a lona
que começa a dar forma à nova casa dos saletinos no Brasil e que vai se
alargando do sul ao norte, do leste ao oeste formando uma grande cruz cuja base
é o RS e seu topo a Bahia, seu braço começa em MG e termina na Rondônia. Esse
grande cruzeiro foi sendo construído durante 110 anos (1902-2012).
Os
MS, embalados pela ousadia dos pioneiros e pela responsabilidade audaciosa das
gerações que os sucederam, ao construir essa cruz, aprenderam a ser discípulos
do Evangelho e da história. Ao longo desse caminho, apesar das vacilações, das
fragilidades, das incertezas superabunda com nitidez a fidelidade criativa à
graça de Deus.
Façamos
memória de alguns dos marcos que norteiam nossa presença no Brasil.
O
primeiro marco é uma espiritualidade alicerçada na fidelidade criativa ao nosso
carisma e na compaixão pelos pobres. Certamente quando da chegada dos pioneiros,
a compreensão da espiritualidade era concebida a partir da trilogia:
“vítima-expiação-reparação” corroborada pela expressão “vítima com Jesus-Hóstia
e Maria, Mãe das Dores”. Era por essa concepção que se fazia a releitura do MS
como “homem de oração, de penitência e de zelo”. Pela oração, penitência e
zelo, o MS se oferecia como reparação/expiação dos pecados da humanidade como
forma de compensar os sofrimentos de Cristo em favor da humanidade.
Esta
concepção de espiritualidade marcava a compreensão do carisma da reconciliação,
o qual era visto mais na perspectiva do sacramento da confissão. Esta era o
meio mais eficaz para a reconciliação da pessoa com Deus.
Com
o advento do Concílio Vaticano II, das Conferências de Medellin, Puebla, Santo
Domingo e Aparecida..., com a prática da CEBs, do CEBI... o carisma da
reconciliação foi adquirindo uma compreensão mais abrangente e dinâmica:
reconciliação com Deus, com o próximo, consigo mesmo e com todo o ser criado. A
Reconciliação engloba a dimensão espiritual, social, psicológica e ecológica.
Ela tem a ver tanto com o eu, com os outros, com Deus e com a criação como um
todo. A marca desta virada é compaixão. O agente da reconciliação é um
apaixonado por Deus, pelos outros, pelo universo e pela sua dignidade pessoal
e, por isso, ele se doa integralmente assumindo as lutas pela paz, pelo
respeito aos direitos humanos e pelo respeito de todo o ser criado.
Como estamos atualizando esse primeiro marco em nossas atividades, em nossa
vida de comunidade e em nossa vida de oração?
O
segundo marco é a revalorização da pastoral vocacional e da formação inicial e
permanente como requisitos essenciais da vida comunitária. Nesse caminhar
fomos descobrindo que cada religioso é responsável pelo despertar das vocações
e pelo acompanhamento dos vocacionados. Criou-se a consciência de que devemos
ser uma comunidade formadora na qual cada um é formador e formando, cada um tem
dons a oferecer e que os demais podem enriquecer-se com o dom dos outros. Os
Estatutos Provinciais consagram essa expressão: “A Comunidade Local é, por si
mesma, Comunidade Formadora. A esse título, se empenha na Pastoral Vocacional,
formação dos candidatos e formação permanente dos próprios membros” (Estatudos
Provinciais, n. 15).
Para
viabilizar este anseio, criaram-se os Centros Vocacionais do Sul e do Nordeste,
promoveram-se duas reuniões anuais para os animadores vocacionais e os
formadores, foram devidamente equipadas as casas de formação, aprovou-se o
Plano Provincial para a formação, melhoramos o Portal Salette que, aos poucos
vai propiciando aos jovens o conhecimento da Congregação e a pedir
acompanhamento vocacional. Ademais temos o Conselho de Província, aAssembleia
Provincial, o Retiro Provincial, o Capítulo Provincial, as reciclagens comunitárias...
Mais, aproveitamos das contribuições da CRB no campo da formação:
Postulinter, Novinter, Juninter e outros que ajudam na
formação permanente.
Certamente,
muito resta a fazer para que nossa formação inicial e permanente nos
qualifique a sermos missionários plenamente reconciliados e reconciliadores
num mundo onde o amor e a solidariedade baqueiam. Mas é ali que esperamos ser
um apelo de reconciliação e de esperança. Isto tudo existe. A questão é:
Em que nossa comunidade pode contribuir para que todos
esses “instrumentos” e esses sonhos se tornem realidade? Como?
O
terceiro marco é a missionariedade reconciliadora animada pelos santuários,
pelas romarias, pela revista Salette, pela Equipe Missionária, pelo Portal
Salette, pelas paróquias, pelos Centros de Assistência Social, pelas pastorais
e movimentos sociais, pela Escola Justiça e Paz...
Nossa
Regra de Vida descrevem com nitidez este marco: “A Congregação está a serviço
do povo de Deus. Todavia, entre as atividades apostólicas que lhe podem ser
confiadas, algumas correspondem melhor a seu carisma. Tais são:
- a evangelização entre os povos onde a Igreja ainda não
está enraizada, ou nos ambientes que se lhe tomaram estranhos;
-
as atividades orientadas para o aprofundamento da fé: pregação de retiros e de
missões, animação de centros de renovação, grupos de oração e reflexão sobre a
vocação cristã, ajuda aos movimentos que favoreçam a promoção humana e o
engajamento apostólico, o atendimento aos locais de peregrinação, especialmente
o da Santa Montanha;
- o
encargo de paróquias e capelanias; - a formação dosjovens; - à cooperação no
trabalho de união das Igrejas”(Regra de Vida 38 cp).
Os
Estatutos Provinciais indicam o método para implementar este marco: “A
província, atenta às exigências da evangelização e da realidade, adota como
método de ação:
a)-
ver analiticamente a realidade humana em suas estruturas;
b)-julgá-la
teologicamente à luz da Palavra de Deus;
c)-
agir pastoralmente para sua transformação”(Estatutos Provinciais n.5 1).
Estamos
nós vivendo o marco da missionariedade tendo em conta as orientações de nossa
Regra de Vida? Em nossa prática pastoral
estamos atentos ao método indicado pelos Estatutos Provinciais?
A
ousadia dos que nos precederam, possibilitaram o estabelecimento de marcos para
balizar o ser e agir saletinos no Brasil. Os marcos são importantes enquanto
apontam caminhos e horizontes. Estes, porém, tem pouco impacto, se não
estiverem alicerçados na esperança da qual tanto fala São Paulo. Para ele, a
esperança é a virtude dos fortes, dos que acreditam, como Maria, na realização
das promessas de Deus. Olhando para o retrovisor de nossa história podemos
levantar algumas das características da esperança que animou nossos
predecessores e que anima a cada um de nós. Vamos ler espontaneamente, com
pequena pausa entre uma e outra:
- A
esperança nasce quando caem por terra todas as seguranças.
- A
esperança alarga os horizontes e convida a olhar para além do presente; ela
nos desafia a sermos artífices de um futuro que não é a simples reprodução do
passado e do presente.
- A
esperança nos capacita a recomeçar quando tudo parece ter chegado ao fim.
- A esperança gera alegria, otimismo,
positividade, confiança no futuro e ousadia missionária; sua marca registrada é
a solidariedade com os marginalizados e o empenho pelajustiça.
- A esperança leva-nos a acreditar, quando
ninguém mais acredita; a esperar quando todos se desesperam; a manter viva a
chama do ideal quando este, em muitos, se apagou; a sorrir quando muitos choram
e se lamentam.
- A esperança constrói-se prestando atenção
à história e à realidade, discernindo profeticamente nelas as provocações de
Deus e agindo com ardor para eliminar as infidelidades e desmandos contra o
projeto de Deus.
João Paulo II afirmou que Salette é uma
mensagem de esperança. Como essa esperança ressoa em mim e em nossa
comunidade? Como ser portadores de esperança num mundo que se revela sempre
mais incapaz de “esperar contra toda esperança”?